quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Análise Critica sobre a Eficácia de Índice PM x Habitante


Preliminares.

A definição de um índice indicativo para a fixação de efetivo necessário para a execução do policiamento ostensivo tem sido discutido ao longo dos últimos 30 anos sem grandes conclusões.

Esse é um assunto relativamente polêmico e de grande importância para a sociedade, na medida em que baliza o tamanho das organizações policiais para fazer frente a um dos problemas de maior clamor da sociedade, que é a segurança pública.

Sempre que se fala em índice PM/hab vem à mente de todos um famoso termo que parece ser definidor e solucionador de todos os problemas atinentes ao assunto, ou seja, a “ONU estabelece ...”, todavia, nenhum dos autores cita a fonte de dita informação, pressupondo-se que seja mais uma das afirmações Goebelianas.

Conforme afirma Nicoletti[1], esse não se trata de um número cabalístico, isento de discussões quando se trata de condições específicas.

Este índice é recorrente em inúmeros trabalhos monográficos, literários, acadêmicos e até mesmo utilizado por organizações governamentais, todavia, em nenhum deles é citada a sua fonte.

Na Brigada Militar, sobre o assunto, um dos primeiros documentos que se tem acesso é a NI nº 10/PM3/78, de 16 de novembro de 1978, documento que subsidiava o Plano de Policiamento Ostensivo. Nela se preconiza que para fins de cálculo de planejamento haja a aplicação da relação de 1,2 a 2,0 PM por mil habitantes.

Não se sabe qual a fonte ou fórmula utilizada para se chegar a essa conclusão, acreditando uns que tenha sido trazida e adotada pelo Cel Nilo Ferreira, então chefe da PM/3 do Estado Maior, a qual teria recebido através de cursos realizados nos Estados Unidos no ano anterior.

É fato incontestável, uma vez que nesse período as PPMM engatinhavam nesse caminho, uma vez que a competência exclusiva para tal fora outorgada na década anterior.

Algumas fontes citam a existência de relatórios anuais das policias americanas, em especial a Revista Unidade nº 9, ano IX, de 1986, sob o título “Valor do efetivo”, tradução de Sônia Beatriz Kolling da Rocha, do livro “Municipal Police Administration”, de 1960, subsidiando o entendimento de como se forma este índice (relação policial por habitantes) nos Estados Unidos. É uma tabela onde estão consolidadas 983 cidades americanas, daquela época, em seis escalas de intervalo populacional. O resultado é apresentado grupado em cinco tipos de índices de policiais por mil habitantes. O intervalo de classificação das cidades, segundo os próprios índices, é de baixíssimo, baixo, médio, alto e altíssimo e os valores dos índices variam de 0,11 por mil habitantes até 6,20.

     Não há uma lógica definidora de maior ou menor população para se estabelecer a relação policial por mil habitantes. É um relatório que inventaria a realidade na aplicação de efetivo policial demandado pela sociedade americana na década de 50. Não tem qualquer característica ou indicação de uso para projecionamento  dos serviços policiais.  Esta tabela, para poder ser comparada com a do sistema de policial por habitantes, que é o fulcro desta discussão, necessita de uma conversão.

     A tabela original, com a aplicação da conversão de índice de policiais por 1.000 habitantes, para policial por habitantes, seria assim:

Intervalo populacional
Baixíssimo
Mais baixo
Média
Mais alto
Altíssimo
Acima de 500.000
775
444
359
325
262
250.000 a 500.000
847
578
505
478
289
100.000 a 250.000
769
632
520
456
265
50.000   a 100.000
1010
689
578
495
289
25.000   a 50.000
9090
729
595
497
173
10.000   a 25.000
2222
735
606
480
161

Fonte: The Municipal Year book, 1960 (Chicago: International City Manager’s Association, 1960, página 394.

Na introdução do livro “As Forças Policiais na União Européia,” de autoria de Patrice Meysonnier, editado em 1994, pela L’Harmattan, em Paris, apresenta a Europa com relação média de 1 policial para cada 300 habitantes. Ele categorizou os Estados Europeus em “muito policiados”, “medianamente policiados” e “pouco policiados”. Das doze nações, quatro compõem cada categoria. A escala da relação policial por habitantes, nessas nações, vai de 1 por 205 na Espanha e até 1 por 380 no Reino Unido, conforme se vê:

Categoria
País
Relação policial por habitantes
Muito policiados
Espanha
1 por 205
Muito policiados
Itália
1 por 215
Muito policiados
França
1 por 243
Muito policiados
Grécia
1 por 257
Muito policiados
RFA
1 por 300
Muito policiados
Bélgica
1 por 302
Medianamente policiados
Portugal
1 por 303
Medianamente policiados
Rep. da Irlanda
1 por 310
Medianamente policiados
Luxemburgo
1 por 330
Medianamente policiados
Países-baixos
1 por 340
Pouco  policiados
Dinamarca
1 por 365
Pouco  policiados
Reino Unido
1 por 380



Hoje, os preceitos de 1,2 a 2,0 PMs por mil habitantes estão regulados, para a Brigada Militar, na NI nº 52/BM/EME/2000, de 8/3/2000, publicada no BG 046, de 9 de março de 2000. Consta atualmente, na alínea (c), do nº 3. EXECUÇÃO, na página 4 do referido documento e explicita tão somente o critério geral de 1,2 a 2,0 SME (servidor militar estadual) para cada 1.000 habitantes que residem em uma área considerada.

No Brasil, recentemente a Revista Época publicou um trabalho com os índices em todo o país conforme tabela abaixo:

Ranquing
Estado
População
Efetivo
PM X Hab

Brasil
190.732.694
404.494
472
1
Brasília
2.562.963
14.179
180
2
Rondônia
1.560.501
5.528
282
3
Acre
732.793
2.584
283
4
Amapá
668.689
2.326
287
5
Roraima
451.227
1.474
306
6
R.G. do Norte
3.168.133
9.743
325
7
Tocantins
1.383.453
4.878
339
8
Alagoas
3.120.992
7.945
392
9
Rio de Janeiro
15.993.583
39.918
410
10
Sergipe
2.068.031
4.993
414
11
Paraíba
3.766.384
9.044
416
12
MG do Sul
2.449.341
5.695
430
13
Pernambuco
8.796.032
2.303
433
14
Minas Gerais
19.595.309
44.787
437
15
Amazonas
3.480.937
7.402
470
16
RS
10.695.532
22.755
470
17
Espírito Santo
3.512.672
7.413
473
18
Bahia
14.021.432
29.516
475
19
Goiás
6.004.045
12.579
476
20
São Paulo
41.252.160
81.347
507
21
Piauí
3.119.015
6.014
518

RS
10.695.532
20.516
521
22
Mato Grosso
3.033.091
5.802
522
23
Pará
7.588.078
14.088
538
24
Ceara
8.448.055
15.300
552
25
Santa Catarina
6.249.682
9.088
687
26
Paraná
10.439.601
14.626
713
27
Maranhão
6.569.683
7.473
882

Fonte: PRESENÇA POLICIAL NOS ESTADOS BRASILEIROS. 2011. Revista Exame.http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/policial-militar-traz-seguranca-o-tamanho-da-pm-nos-estados Censo: 2010.

 Obs: o RGS é o único que inclui os bombeiros entre o efetivo, portanto com bombeiros fica em 16. Sem bombeiros em 21. O efetivo incluído nos dois últimos anos não foi acrescido aos cálculos visto que não temos a informação de todos os Estados.

Conforme essa tabela, a média brasileira de hab x PM é de 472, que estaria de acordo com as afirmações generalizadas de que a ONU preconiza 500 habitantes para cada PM.

Nessa tabela brasileira vemos o RS na 16º posição, com um PM para cada 470 habitantes, todavia, deve ser excluído o efetivo do Corpo de Bombeiros (2.239) o jogaria o estado para a 21ª posição com 1PM/521hab.



Análise critica:


Ao tratar esse assunto, todos nós cometemos equívocos, talvez por falta de autoestima, em buscar em outras nações o parâmetro para balizar nossas ações.

Vejam que primeiro nos balizamos por uma informação de que a ONU orienta as nações a utilizar o índice de 1PM/500hab, chegando alguns a afirmar que é de 1PM/250hab.

Entre eles Luís Flávio Gomes[2], quando afirma que um dos mitos da segurança pública refere-se à máxima de que "para se ter mais segurança, é preciso ter mais policiais nas ruas". De acordo com os números apresentados por ele, observa-se que São Paulo tem um número menor de policiais por habitantes e, ao mesmo tempo, uma taxa menor de homicídios em relação a Alagoas.

Depois procuramos achar tabelas ou informações de índices ou parâmetros utilizados nos principais países da Europa ou até mesmo da América Latina.

Devemos abandonar todo e qualquer parâmetro com base em outros países, pois a atribuição das policias em cada um deles é completamente diferente, pois no Brasil as PPMM só executam policiamento ostensivo, enquanto em outros países desempenham policia de fronteiras, policiamento de trânsito e outros.

 Mesmo assim, para a discussão do tema proposto é necessário tomar por base algum parâmetro. Assim vamos partir da média nacional apresentada pelas PPMM, que é de 1PM/472hab.

 Pela situação atual de segurança pública do país, vemos que esse parâmetro não é suficiente para fazer frente à criminalidade, porém essa é a base utilizada pela maioria das PPMM.

 Comecemos por discutir qual é o negócio das PPMM?

 Conforme a CF, art. 144, § 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

 Assim, como o negócio das PPMM é a execução do policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, qualquer atividade que não se relacione deve ser evitada sob pena de infração aos princípios constitucionais de moralidade e improbidade.

 Vê-se que, como também temos no RS o Corpo de Bombeiros incorporado a BM, já começamos a dispender e desviar esforços que deveriam ser para o policiamento ostensivo e que vão para as atividades de bombeiros.

 Sem contar pessoal deslocado para a defesa civil, temos em média 1.000 PM à disposição da Operação Golfinho de dezembro a abril, ou seja, 1/3 do ano.

 De outro lado, como a Brigada Militar “é pau pra toda obra”, ficamos tapando furo das demais organizações, em especial a segurança interna e externa dos presídios, cuja atribuição constitucional não é das PPMM, desviando para tal em média 600 homens.

 As demais secretarias e até outros poderes se beneficiam do pessoal da Brigada Militar para suprir as suas deficiências, os quais, além de atuarem em desvio de função, como motoristas e assessores, oneram a folha da BM e desoneram as respectivas folhas onde prestam serviço.

 Somente nessas atividades temos em média 780 PM, o que daria para efetuar o policiamento ostensivo de uma cidade de 390.000 habitantes, conforme as bases apresentadas.

 Outra consideração importante e que não é levada em consideração é a relação efetivo existente/efetivo disponível.

 Esse quesito é de tamanha importância em qualquer planejamento e não é levado em consideração, causando uma distorção no resultado final.

 Entre estes, devemos considerar no mínimo 1/12 do efetivo existente para fins de planejamento de férias. Devemos ainda considerar a previsão de uma parcela fora do serviço em decorrência de questões médicas e licenças.

 Temos que considerar também o efetivo utilizado para a realização de atividades consideradas administrativas e indispensáveis para suporte das atividades de policiamento ostensivo, que podem variar entre 5 a 12%. (Dauter Berlese, 1983 = 5%, Oto Eduardo Rosa Amorim, Critérios para fixação de efetivo nas unidades operacionais da Brigada Militar do CRPO Vale do Rio dos Sinos com mais de 100.000 habitantesPorto Alegre – 2004, 10%)

Alguns autores chegam a definir esse percentual em 20% o efetivo indisponível em relação ao efetivo existente.

Dessa forma, sem polemizar, ficaremos com a média de 12%.

Como não temos conhecimento dos critérios usados para definir a política nos demais estados, seria injusto com o Estado, fazermos comparações.

 Após o resultado dessa análise, vamos realinhar a tabela fazendo os expurgos possíveis.

No caso especifico da Brigada Militar, com os devidos expurgos ficaria assim o efetivo disponível para atividade de Policiamento Ostensivo:


Previsto
Existente
Expur- gos
Disponível
34.860
21.711


Bombeiros

2.239
19.475
QOS

156
19.319
Força Tarefa e  presídios

780
18.539
Agregados

360
18.179
Férias, Adm. e outros = 20%

3.635
14.544
Operação Golfinho

1.000
13.554

 Assim, 10.695.532 (população do estado) dividido por 13.554 PM = 1PM/576,45hab.

                   
Conclusões:

Pelo que se comprova, o erro não está no índice e sim nas distorções.

Vê-se que temos quase a metade do efetivo existente diluído entre atividades necessárias e desnecessárias, obrigatórias e impostas, essenciais e supérfluas.

Essa pode ser uma das razões da constatação da “falta de policiamento ostensivo” e a consequente insegurança que assola a sociedade gaúcha.

Não será somente com a inclusão de novos policiais que será resolvido o problema, uma vez que a cada ano são transferidos para a reserva praticamente o mesmo número que é incluído, permanecendo essa condição a décadas.

É necessário, além da inclusão, a definição do que a BM entende como sua “atribuição”, deixando para que outras organizações efetuem as tarefas que lhes são afetas.

Não podemos mais continuar com atividades grupais em detrimento do policiamento em duplas, uma vez que as primeiras são pontuais e para “tapar furo”.

Também é necessário investir em tecnologia, em organização e métodos, com a redução de estruturas defasadas e que podem ser substituídas por meio de sistemas informatizados.

Não podemos mais esperar que a sociedade intervenha e faça aquilo que cabe a nós efetuar.

Como a Brigada Militar não fornece os dados alegando “questões de segurança”, estes podem variar para mais ou para menos, mas na média são estes, sendo que me atrevo a afirmar que no policiamento ostensivo não passa de 50% do efetivo existente.

Cláudio Núncio Cel RR


1. AMORIM. Oto Eduardo Rosa. Cap PM. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DE EFETIVO NAS UNIDADES OPERACIONAIS DA BRIGADA MILITAR DO CRPO VALE DO RIO DOS SINOS COM MAIS DE 100.000 HABITANTES. TCC do Curso Avançado de Administração Policial Militar, APM-BM. Porto Alegre; 2004.
2.        PERIOTTO, Álvaro José e CARSTEN, Paulo Sergio Larson. EFETIVO POLICIAL MILITAR: PARADIGMAS E PROPOSTA METODOLÓGICA PARA CÁLCULO DE NECESSIDADES.
3.  CANO, Ignácio. Eficiencia Policial e Rendicion de Cuentas. Indicadores para la Evaluacion de Instituciones Policiales.
4. DA SILVA, Elaine Pereira Cristina. O Impacto da Gestão do Tamanho da Força Policial na Taxa de Violência em Curitiba: Uma abordagem Qualitativa sob o Referencial da Dinâmica de Sistemas. TCC de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas da PUC-Curitiba. 2006.
5. SISTEMA DE GESTÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. DEZEMBRO 2010. 2ª Edição.
6.  Gomes, Luis Flávio e Adrian Loche . A falácia do efetivo policial e da segurança publica.
7. PRESENÇA POLICIAL NOS ESTADOS BRASILEIROS. 2011. Revista Exame.
8. The Municipal Year book, 1960 (Chicago: International City Manager’s Association, 1960, página 394.
9.  Meysonnier, Patrice. As Forças Policiais na União Européia. L’Harmattan, Paris, 1994
10.   Pereira, Antônio Tadeu Nicoletti. Número ideal de policiais por habitantes.
11.   Camargo, Alberto Afonso Cel RR – Apontamentos.
12.  Pinheiro, Vanderlei Martins Cel RR – Apontamentos.





[1] Pereira, Antônio Tadeu Nicoletti. Número ideal de policiais por habitantes
 [2] A falácia do efetivo policial e da segurança publica. Luis Flávio Gomes e Adrian Loche.http://jus.com.br/revista/texto/18542/a-falacia-do-efetivo-policial-e-a-seguranca-publica