Preliminares.
A definição de um índice indicativo
para a fixação de efetivo necessário para a execução do policiamento ostensivo
tem sido discutido ao longo dos últimos 30 anos sem grandes conclusões.
Esse é um assunto relativamente
polêmico e de grande importância para a sociedade, na medida em que baliza o
tamanho das organizações policiais para fazer frente a um dos problemas de
maior clamor da sociedade, que é a segurança pública.
Sempre que se fala em índice PM/hab
vem à mente de todos um famoso termo que parece ser definidor e solucionador de
todos os problemas atinentes ao assunto, ou seja, a “ONU estabelece ...”,
todavia, nenhum dos autores cita a fonte de dita informação, pressupondo-se que
seja mais uma das afirmações Goebelianas.
Conforme afirma Nicoletti[1],
esse não se trata de um número cabalístico, isento de discussões quando se
trata de condições específicas.
Este índice é recorrente em inúmeros
trabalhos monográficos, literários, acadêmicos e até mesmo utilizado por
organizações governamentais, todavia, em nenhum deles é citada a sua fonte.
Na Brigada Militar, sobre o assunto,
um dos primeiros documentos que se tem acesso é a NI nº 10/PM3/78, de 16 de
novembro de 1978, documento que subsidiava o Plano de Policiamento Ostensivo.
Nela se preconiza que para fins de cálculo de planejamento haja a aplicação da
relação de 1,2 a 2,0 PM por mil habitantes.
Não se sabe qual a fonte ou fórmula
utilizada para se chegar a essa conclusão, acreditando uns que tenha sido
trazida e adotada pelo Cel Nilo Ferreira, então chefe da PM/3 do Estado Maior,
a qual teria recebido através de cursos realizados nos Estados Unidos no ano
anterior.
É fato incontestável, uma vez que nesse
período as PPMM engatinhavam nesse caminho, uma vez que a competência exclusiva
para tal fora outorgada na década anterior.
Algumas fontes citam a existência de
relatórios anuais das policias americanas, em especial a Revista Unidade nº 9,
ano IX, de 1986, sob o título “Valor do efetivo”, tradução de Sônia Beatriz
Kolling da Rocha, do livro “Municipal Police Administration”, de 1960,
subsidiando o entendimento de como se forma este índice (relação policial por
habitantes) nos Estados Unidos. É uma tabela onde estão consolidadas 983
cidades americanas, daquela época, em seis escalas de intervalo populacional. O
resultado é apresentado grupado em cinco tipos de índices de policiais por mil
habitantes. O intervalo de classificação das cidades, segundo os próprios
índices, é de baixíssimo, baixo, médio, alto e altíssimo e os valores dos
índices variam de 0,11 por mil habitantes até 6,20.
Não há
uma lógica definidora de maior ou menor população para se estabelecer a relação
policial por mil habitantes. É um relatório que inventaria a realidade na
aplicação de efetivo policial demandado pela sociedade americana na década de
50. Não tem qualquer característica ou indicação de uso para
projecionamento dos serviços policiais. Esta tabela, para
poder ser comparada com a do sistema de policial por habitantes, que é o fulcro
desta discussão, necessita de uma conversão.
A
tabela original, com a aplicação da conversão de índice de policiais por 1.000
habitantes, para policial por habitantes, seria assim:
Intervalo
populacional
|
Baixíssimo
|
Mais
baixo
|
Média
|
Mais
alto
|
Altíssimo
|
Acima de 500.000
|
775
|
444
|
359
|
325
|
262
|
250.000 a 500.000
|
847
|
578
|
505
|
478
|
289
|
100.000 a 250.000
|
769
|
632
|
520
|
456
|
265
|
50.000 a 100.000
|
1010
|
689
|
578
|
495
|
289
|
25.000 a 50.000
|
9090
|
729
|
595
|
497
|
173
|
10.000 a 25.000
|
2222
|
735
|
606
|
480
|
161
|
Fonte: The Municipal Year book, 1960 (Chicago: International City
Manager’s Association, 1960, página 394.
Na introdução do livro “As Forças
Policiais na União Européia,” de autoria de Patrice Meysonnier, editado em
1994, pela L’Harmattan, em Paris, apresenta a Europa com relação média de 1
policial para cada 300 habitantes. Ele categorizou os Estados Europeus em
“muito policiados”, “medianamente policiados” e “pouco policiados”. Das doze
nações, quatro compõem cada categoria. A escala da relação policial por
habitantes, nessas nações, vai de 1 por 205 na Espanha e até 1 por 380 no Reino
Unido, conforme se vê:
Categoria
|
País
|
Relação policial por habitantes
|
Muito
policiados
|
Espanha
|
1 por 205
|
Muito
policiados
|
Itália
|
1 por 215
|
Muito
policiados
|
França
|
1 por 243
|
Muito
policiados
|
Grécia
|
1 por 257
|
Muito
policiados
|
RFA
|
1 por 300
|
Muito
policiados
|
Bélgica
|
1 por 302
|
Medianamente
policiados
|
Portugal
|
1 por 303
|
Medianamente
policiados
|
Rep. da Irlanda
|
1 por 310
|
Medianamente
policiados
|
Luxemburgo
|
1 por 330
|
Medianamente
policiados
|
Países-baixos
|
1 por 340
|
Pouco policiados
|
Dinamarca
|
1 por 365
|
Pouco policiados
|
Reino Unido
|
1 por 380
|
Hoje, os preceitos de 1,2 a 2,0 PMs
por mil habitantes estão regulados, para a Brigada Militar, na NI nº
52/BM/EME/2000, de 8/3/2000, publicada no BG 046, de 9 de março de 2000. Consta
atualmente, na alínea (c), do nº 3. EXECUÇÃO, na página 4 do referido documento
e explicita tão somente o critério geral de 1,2 a 2,0 SME (servidor militar
estadual) para cada 1.000 habitantes que residem em uma área considerada.
No Brasil, recentemente a Revista
Época publicou um trabalho com os índices em todo o país conforme tabela
abaixo:
Ranquing
|
Estado
|
População
|
Efetivo
|
PM X Hab
|
Brasil
|
190.732.694
|
404.494
|
472
|
|
1
|
Brasília
|
2.562.963
|
14.179
|
180
|
2
|
Rondônia
|
1.560.501
|
5.528
|
|
3
|
Acre
|
732.793
|
2.584
|
283
|
4
|
Amapá
|
668.689
|
2.326
|
287
|
5
|
Roraima
|
451.227
|
1.474
|
306
|
6
|
R.G. do Norte
|
3.168.133
|
9.743
|
325
|
7
|
Tocantins
|
1.383.453
|
4.878
|
339
|
8
|
Alagoas
|
3.120.992
|
7.945
|
392
|
9
|
Rio de Janeiro
|
15.993.583
|
39.918
|
410
|
10
|
Sergipe
|
2.068.031
|
4.993
|
414
|
11
|
Paraíba
|
3.766.384
|
9.044
|
416
|
12
|
MG do Sul
|
2.449.341
|
5.695
|
430
|
13
|
Pernambuco
|
8.796.032
|
2.303
|
433
|
14
|
Minas Gerais
|
19.595.309
|
44.787
|
437
|
15
|
Amazonas
|
3.480.937
|
7.402
|
470
|
16
|
RS
|
10.695.532
|
22.755
|
470
|
17
|
Espírito Santo
|
3.512.672
|
7.413
|
473
|
18
|
Bahia
|
14.021.432
|
29.516
|
475
|
19
|
Goiás
|
6.004.045
|
12.579
|
476
|
20
|
São Paulo
|
41.252.160
|
81.347
|
507
|
21
|
Piauí
|
3.119.015
|
6.014
|
518
|
RS
|
10.695.532
|
20.516
|
521
|
|
22
|
Mato Grosso
|
3.033.091
|
5.802
|
522
|
23
|
Pará
|
7.588.078
|
14.088
|
538
|
24
|
Ceara
|
8.448.055
|
15.300
|
552
|
25
|
Santa Catarina
|
6.249.682
|
9.088
|
687
|
26
|
Paraná
|
10.439.601
|
14.626
|
713
|
27
|
Maranhão
|
6.569.683
|
7.473
|
882
|
Fonte: PRESENÇA POLICIAL NOS ESTADOS BRASILEIROS. 2011. Revista Exame.http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/policial-militar-traz-seguranca-o-tamanho-da-pm-nos-estados Censo:
2010.
Obs: o RGS é o único que inclui os bombeiros entre o efetivo, portanto
com bombeiros fica em 16. Sem bombeiros em 21. O efetivo incluído nos dois
últimos anos não foi acrescido aos cálculos visto que não temos a informação de
todos os Estados.
Conforme essa tabela, a média brasileira de hab x PM é de 472, que
estaria de acordo com as afirmações generalizadas de que a ONU preconiza 500
habitantes para cada PM.
Nessa tabela brasileira vemos o RS na 16º posição, com um PM para cada
470 habitantes, todavia, deve ser excluído o efetivo do Corpo de Bombeiros
(2.239) o jogaria o estado para a 21ª posição com 1PM/521hab.
Análise critica:
Ao tratar esse assunto, todos nós cometemos equívocos, talvez por falta
de autoestima, em buscar em outras nações o parâmetro para balizar nossas
ações.
Vejam que primeiro nos balizamos por uma informação de que a ONU orienta
as nações a utilizar o índice de 1PM/500hab, chegando alguns a afirmar que é de
1PM/250hab.
Entre eles Luís Flávio Gomes[2],
quando afirma que um dos mitos da segurança pública
refere-se à máxima de que "para se ter mais segurança, é preciso ter mais
policiais nas ruas". De acordo com os números apresentados por ele,
observa-se que São Paulo tem um número menor de policiais por habitantes e, ao
mesmo tempo, uma taxa menor de homicídios em relação a Alagoas.
Depois procuramos achar tabelas ou informações de índices ou parâmetros
utilizados nos principais países da Europa ou até mesmo da América Latina.
Devemos abandonar todo e qualquer parâmetro com base em outros países,
pois a atribuição das policias em cada um deles é completamente diferente, pois
no Brasil as PPMM só executam policiamento ostensivo, enquanto em outros países
desempenham policia de fronteiras, policiamento de trânsito e outros.
Mesmo assim, para a discussão do tema proposto é necessário tomar por
base algum parâmetro. Assim vamos partir da média nacional apresentada pelas
PPMM, que é de 1PM/472hab.
Pela situação atual de segurança pública do país, vemos que esse
parâmetro não é suficiente para fazer frente à criminalidade, porém essa é a
base utilizada pela maioria das PPMM.
Comecemos por discutir qual é o negócio das PPMM?
Conforme a CF, art. 144, § 5º - Às polícias militares cabem a polícia
ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares,
além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil.
Assim, como o negócio das PPMM é a execução do policiamento
ostensivo e a preservação da ordem pública, qualquer atividade que não se
relacione deve ser evitada sob pena de infração aos princípios constitucionais
de moralidade e improbidade.
Vê-se que, como também temos no RS o Corpo de Bombeiros incorporado a
BM, já começamos a dispender e desviar esforços que deveriam ser para o
policiamento ostensivo e que vão para as atividades de bombeiros.
Sem contar pessoal deslocado para a defesa civil, temos em média 1.000
PM à disposição da Operação Golfinho de dezembro a abril, ou seja, 1/3 do ano.
De outro lado, como a Brigada Militar “é pau pra toda obra”,
ficamos tapando furo das demais organizações, em especial a segurança interna e
externa dos presídios, cuja atribuição constitucional não é das PPMM, desviando
para tal em média 600 homens.
As demais secretarias e até outros poderes se beneficiam do pessoal da
Brigada Militar para suprir as suas deficiências, os quais, além de atuarem em desvio
de função, como motoristas e assessores, oneram a folha da BM e desoneram as
respectivas folhas onde prestam serviço.
Somente nessas atividades temos em média 780 PM, o que daria para
efetuar o policiamento ostensivo de uma cidade de 390.000 habitantes, conforme
as bases apresentadas.
Outra consideração importante e que não é levada em consideração é a
relação efetivo existente/efetivo disponível.
Esse quesito é de tamanha importância em qualquer planejamento e não é
levado em consideração, causando uma distorção no resultado final.
Entre estes, devemos considerar no mínimo 1/12 do efetivo existente para
fins de planejamento de férias. Devemos ainda considerar a previsão de uma
parcela fora do serviço em decorrência de questões médicas e licenças.
Temos que considerar também o efetivo utilizado para a realização de
atividades consideradas administrativas e indispensáveis para suporte das
atividades de policiamento ostensivo, que podem variar entre 5 a 12%. (Dauter
Berlese, 1983 = 5%, Oto Eduardo Rosa Amorim, Critérios para fixação de efetivo
nas unidades operacionais da Brigada Militar do CRPO Vale do Rio dos Sinos com
mais de 100.000 habitantesPorto Alegre – 2004, 10%)
Alguns autores chegam a definir esse percentual em 20% o efetivo
indisponível em relação ao efetivo existente.
Dessa forma, sem polemizar, ficaremos com a média de 12%.
Como não temos conhecimento dos critérios usados para definir a política
nos demais estados, seria injusto com o Estado, fazermos comparações.
Após o resultado dessa análise, vamos realinhar a tabela fazendo os
expurgos possíveis.
No caso especifico da Brigada Militar, com os devidos expurgos ficaria
assim o efetivo disponível para atividade de Policiamento Ostensivo:
Previsto
|
Existente
|
Expur- gos
|
Disponível
|
34.860
|
21.711
|
||
Bombeiros
|
2.239
|
19.475
|
|
QOS
|
156
|
19.319
|
|
Força Tarefa e presídios
|
780
|
18.539
|
|
Agregados
|
360
|
18.179
|
|
Férias, Adm. e outros = 20%
|
3.635
|
14.544
|
|
Operação Golfinho
|
1.000
|
13.554
|
Assim, 10.695.532 (população do estado) dividido por 13.554 PM = 1PM/576,45hab.
Conclusões:
Pelo que se comprova, o erro não está no índice e sim nas distorções.
Vê-se que temos quase a metade do efetivo existente diluído entre
atividades necessárias e desnecessárias, obrigatórias e impostas, essenciais e
supérfluas.
Essa pode ser uma das razões da constatação da “falta de policiamento
ostensivo” e a consequente insegurança que assola a sociedade gaúcha.
Não será somente com a inclusão de novos policiais que será resolvido o
problema, uma vez que a cada ano são transferidos para a reserva praticamente o
mesmo número que é incluído, permanecendo essa condição a décadas.
É necessário, além da inclusão, a definição do que a BM entende como sua
“atribuição”, deixando para que outras organizações efetuem as tarefas que lhes
são afetas.
Não podemos mais continuar com atividades grupais em detrimento do
policiamento em duplas, uma vez que as primeiras são pontuais e para “tapar
furo”.
Também é necessário investir em tecnologia, em organização e métodos,
com a redução de estruturas defasadas e que podem ser substituídas por meio de
sistemas informatizados.
Não podemos mais esperar que a sociedade intervenha e faça aquilo que
cabe a nós efetuar.
Como a Brigada Militar não fornece os dados alegando “questões de
segurança”, estes podem variar para mais ou para menos, mas na média são estes,
sendo que me atrevo a afirmar que no policiamento ostensivo não passa de 50% do
efetivo existente.
Cláudio Núncio Cel RR
1. AMORIM. Oto Eduardo Rosa. Cap PM. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DE EFETIVO NAS UNIDADES OPERACIONAIS DA BRIGADA MILITAR DO CRPO VALE DO RIO DOS SINOS COM MAIS DE 100.000 HABITANTES. TCC do Curso Avançado de Administração Policial Militar, APM-BM. Porto Alegre; 2004.
2. PERIOTTO, Álvaro José e CARSTEN, Paulo Sergio Larson. EFETIVO
POLICIAL MILITAR: PARADIGMAS E PROPOSTA METODOLÓGICA PARA CÁLCULO DE
NECESSIDADES.
3. CANO, Ignácio. Eficiencia Policial e Rendicion de Cuentas. Indicadores para
la Evaluacion de Instituciones Policiales.
4. DA SILVA, Elaine Pereira Cristina. O Impacto da Gestão do Tamanho da Força
Policial na Taxa de Violência em Curitiba: Uma abordagem Qualitativa sob o
Referencial da Dinâmica de Sistemas. TCC de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção e Sistemas da PUC-Curitiba. 2006.
5. SISTEMA DE GESTÃO DA POLÍCIA MILITAR
DO ESTADO DE SÃO PAULO. DEZEMBRO 2010. 2ª Edição.
6. Gomes, Luis Flávio e Adrian Loche . A falácia do efetivo policial e da
segurança publica.
7. PRESENÇA POLICIAL NOS ESTADOS
BRASILEIROS. 2011. Revista Exame.
8. The Municipal Year book, 1960 (Chicago: International City Manager’s
Association, 1960, página 394.
9. Meysonnier, Patrice. As Forças Policiais na União Européia. L’Harmattan, Paris,
1994
10. Pereira, Antônio Tadeu Nicoletti. Número ideal de policiais por
habitantes.
11. Camargo, Alberto Afonso Cel RR – Apontamentos.
12. Pinheiro, Vanderlei Martins Cel RR – Apontamentos.
[2] A falácia do efetivo
policial e da segurança publica. Luis Flávio Gomes e Adrian Loche.http://jus.com.br/revista/texto/18542/a-falacia-do-efetivo-policial-e-a-seguranca-publica