POLICIAMENTO EM JOGOS DE
FUTEBOL
A
Constituição Federal em seu art. 144 estabelece:
Art. 144. A segurança
pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
§ 5º -
às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 7º -
A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
Dentro desse diapasão, o Decreto Lei nº 667/69 recepcionado
pela Constituição Federal em seu artigo 3º estabelece:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem
pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal,
compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões
peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado
pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a
manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
b) atuar de maneira preventiva, como força de
dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
c) atuar de maneira repressiva, em caso de
perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;
Com a realização da Copa do Mundo
de Futebol no Brasil em 2014, passou-se a divulgar que a Policia Militar
ficaria fora do local do evento num perímetro de 2.000 metros e que dentro
desse perímetro o policiamento seria realizado por empresas privadas.
Trata-se de mais uma falácia e uma mentira repetida, que segundo Goebel,
passou a ser considerada como verdade.
A Lei nº 22.663, de 05 de junho de 2012 nada refere, tanto a perímetro
quanto a atividade de policia exercida por empresas particulares.
Trata apenas e exclusivamente de atividade comercial para
comercialização e divulgação de produtos FIFA, podendo permanecer no local o
comércio regular já estabelecido.
O único indicativo da presença de atividade privada é a prevista no
artigo 28, que estabelece como “condições para o acesso e permanência de
qualquer pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras: III -
consentir na revista pessoal de prevenção e segurança” o que certamente
se fosse executado por quem de direito não necessitaria tal regra.
Passada essa etapa negra de nossa história, onde abdicamos de nossa
soberania em favor de uma entidade internacional privada, retornaremos a nossa
vida diária.
Na onda de Goebel, está sendo discutida a cobrança de atividade estatal
como se fosse de natureza privada.
Conforme legislação pátria, não há possibilidade de empresa privada
executar atividade estatal, como o
policiamento ostensivo, que não seja exercida por quem de direito.
Assim afirma o Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano,
em Apelação Cível - Reexame Necessário nº 70020656328, Segunda Câmara Cível
TJRS – 28/03/2008.
Os
seguranças privados não detêm o poder de Estado, para praticar atos típicos de
autoridade, por isso que não podem praticar qualquer ato, a não ser dar voz
prisão em flagrante porque isso cabe – não só aos seguranças privados e
policiais – mas qualquer do povo.
Os
seguranças privados não são detentores do poder de Estado e não podem praticar
atos típicos de segurança pública com caráter de autoridade estatal.
Nesse
sentido é a orientação do STF, que foi exposta na ADI 1717, em que a Suprema
Corte recusou a privatização das autarquias fiscalizadoras das profissões,
precisamente porque entidade privada e seus agentes não podem praticar atos de
autoridade, típicos de Estado.
Veja-se
a ementa do precedente:
“EMENTA:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM
DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando
prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998,
como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação
Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a
inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º
do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°,
XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição
Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade
privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de
tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais
regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão
unânime.” (ADI 1717 / DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em
07/11/2002, unânime, DJU de 28/03/2008, p. 61).
Ainda segundo o Des. Cassiano:
A segurança privada
até pode fazer a vigilância e preservação do patrimônio privado dos clubes, mas
sempre que ocorra qualquer fato que possa induzir infração penal a competência
é uma só: a da autoridade estatal para isso instituída.
Todavia, esse fato voltou a ser discutido pelos meios de
comunicação face a proposta do Cmt-Geral da Brigada Militar de retirar o
policiamento ostensivo da Corporação do interior dos Estádios de Futebol.
O assunto não apresenta nenhuma novidade, uma vez que tal
assunto já é discutido desde a década de 90.
Em 1997 a Brigada Militar passou a cobrar a execução do
policiamento em estádios de futebol, através da utilização da taxa de segurança
prevista na Lei Estadual nº 8.109/85.
Todavia essa cobrança não teve vida longa, uma vez que sua
exigência foi contestada e em julgamento do mérito foi julgada inconstitucional
conforme acima citado.
O enfoque atual é diferente, uma vez que o Comando da BM
afirma que não pode dispor de policiais em estádios de futebol em detrimento do
policiamento ostensivo.
Efetivamente o Estado não pode cobrar para executar as suas
atividades constitucionais, todavia também não pode priorizar atividades desportivas
em detrimento da coletividade.
Viger a tese da obrigatoriedade da presença de policiamento
em locais onde ocorre a cobrança de ingresso, implica também na obrigatoriedade
na execução de uma centena de atividades do mesmo gênero. (Eventos em locais privados
mediante cobrança de ingresso e outras receitas).
Como essa atividade demanda um efetivo considerável e a sua
realização pela iniciativa privada é inexeqüível, os custos, certamente serão
menores se executados pelo próprio Estado numa parceria com os interessados.
Assim, a semelhança do que ocorre em outros países (Uruguai
o exemplo mais próximo), o Estado não abdica de sua competência e a entidade
interessada em atividade desse tipo tem a prestação do serviço com a garantia
do Estado, não correndo os riscos inerentes a contratação de pessoal da
iniciativa privada.
A restrição que se faz é a de que devem atuar nesse tipo de
evento pessoal voluntário e no horário de folga, sendo que a sua remuneração
como “hora-extra” seria paga pelo interessado e não pelo Estado.
Assim lucra o policial militar que fará um “bico
institucionalizado”; lucra o beneficiário direto que terá um serviço com a
garantia do Estado e; lucra a sociedade que não perde policiais que deixam de ser
retirados da atividade fim para a execução de tais serviços.