terça-feira, 24 de setembro de 2013


POLICIAMENTO EM JOGOS DE FUTEBOL

A Constituição Federal em seu art. 144 estabelece:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

Dentro desse diapasão, o Decreto Lei nº 667/69 recepcionado pela Constituição Federal em seu artigo 3º estabelece:

Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;


Com a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014, passou-se a divulgar que a Policia Militar ficaria fora do local do evento num perímetro de 2.000 metros e que dentro desse perímetro o policiamento seria realizado por empresas privadas.

Trata-se de mais uma falácia e uma mentira repetida, que segundo Goebel, passou a ser considerada como verdade.

A Lei nº 22.663, de 05 de junho de 2012 nada refere, tanto a perímetro quanto a atividade de policia exercida por empresas particulares.

Trata apenas e exclusivamente de atividade comercial para comercialização e divulgação de produtos FIFA, podendo permanecer no local o comércio regular já estabelecido.

O único indicativo da presença de atividade privada é a prevista no artigo 28, que estabelece como “condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras: III - consentir na revista pessoal de prevenção e segurança” o que certamente se fosse executado por quem de direito não necessitaria tal regra.

Passada essa etapa negra de nossa história, onde abdicamos de nossa soberania em favor de uma entidade internacional privada, retornaremos a nossa vida diária.

Na onda de Goebel, está sendo discutida a cobrança de atividade estatal como se fosse de natureza privada.

Conforme legislação pátria, não há possibilidade de empresa privada executar atividade estatal, como o policiamento ostensivo, que não seja exercida por quem de direito.

Assim afirma o Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, em Apelação Cível - Reexame Necessário nº 70020656328, Segunda Câmara Cível TJRS – 28/03/2008.

Os seguranças privados não detêm o poder de Estado, para praticar atos típicos de autoridade, por isso que não podem praticar qualquer ato, a não ser dar voz prisão em flagrante porque isso cabe – não só aos seguranças privados e policiais – mas qualquer do povo.

Os seguranças privados não são detentores do poder de Estado e não podem praticar atos típicos de segurança pública com caráter de autoridade estatal.

Nesse sentido é a orientação do STF, que foi exposta na ADI 1717, em que a Suprema Corte recusou a privatização das autarquias fiscalizadoras das profissões, precisamente porque entidade privada e seus agentes não podem praticar atos de autoridade, típicos de Estado.

Veja-se a ementa do precedente:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.” (ADI 1717 / DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em 07/11/2002, unânime, DJU de 28/03/2008, p. 61).

Ainda segundo o Des. Cassiano:

A segurança privada até pode fazer a vigilância e preservação do patrimônio privado dos clubes, mas sempre que ocorra qualquer fato que possa induzir infração penal a competência é uma só: a da autoridade estatal para isso instituída.

Todavia, esse fato voltou a ser discutido pelos meios de comunicação face a proposta do Cmt-Geral da Brigada Militar de retirar o policiamento ostensivo da Corporação do interior dos Estádios de Futebol.

O assunto não apresenta nenhuma novidade, uma vez que tal assunto já é discutido desde a década de 90.

Em 1997 a Brigada Militar passou a cobrar a execução do policiamento em estádios de futebol, através da utilização da taxa de segurança prevista na Lei Estadual nº 8.109/85.

Todavia essa cobrança não teve vida longa, uma vez que sua exigência foi contestada e em julgamento do mérito foi julgada inconstitucional conforme acima citado.

O enfoque atual é diferente, uma vez que o Comando da BM afirma que não pode dispor de policiais em estádios de futebol em detrimento do policiamento ostensivo.
 




Efetivamente o Estado não pode cobrar para executar as suas atividades constitucionais, todavia também não pode priorizar atividades desportivas em detrimento da coletividade.

Viger a tese da obrigatoriedade da presença de policiamento em locais onde ocorre a cobrança de ingresso, implica também na obrigatoriedade na execução de uma centena de atividades do mesmo gênero. (Eventos em locais privados mediante cobrança de ingresso e outras receitas).

Como essa atividade demanda um efetivo considerável e a sua realização pela iniciativa privada é inexeqüível, os custos, certamente serão menores se executados pelo próprio Estado numa parceria com os interessados.

Assim, a semelhança do que ocorre em outros países (Uruguai o exemplo mais próximo), o Estado não abdica de sua competência e a entidade interessada em atividade desse tipo tem a prestação do serviço com a garantia do Estado, não correndo os riscos inerentes a contratação de pessoal da iniciativa privada.

A restrição que se faz é a de que devem atuar nesse tipo de evento pessoal voluntário e no horário de folga, sendo que a sua remuneração como “hora-extra” seria paga pelo interessado e não pelo Estado.

Assim lucra o policial militar que fará um “bico institucionalizado”; lucra o beneficiário direto que terá um serviço com a garantia do Estado e; lucra a sociedade que não perde policiais que deixam de ser retirados da atividade fim para a execução de tais serviços.

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