sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A SINA DE SER BRIGADIANO


Artigo do Coronel Jorge Bengochêa que é escritor e autor de vários Blogs entre eles o da Frente 
Joge Bengochêa – Coronel RR
 A entrar na Brigada Militar, a pessoa voluntária não vai só vestir uma farda bege bem passada, portar uma pistola ou revolver, dirigir uma viatura equipada, montar um alazão ou acomodar um bastão e algemas na cintura.

Ela vai envergar um passado de valorosos defensores de Porto Alegre, de guerreiros farroupilhas e de centauros da Guerra do Paraguai e das várias revoluções onde a Brigada Militar esteve envolvida devotando suor e sangue de suas tropas, misturados ao choro pela perda de vidas de heróis e gritos de vitórias. Decisões tomadas no calor dos fatos colocavam os bravos brigadianos na linha de frente liderados por oficiais arrojados e formados na experiência dos combates contra a falta de ligação, insuficiência de recurso bélico, alimentação precária, atraso dos soldos e maior potencial do inimigo.

Esta mesma farda incorpora o espírito de muita dedicação e empenho no cumprimento do dever daqueles que lutaram e morreram defendendo ideais de liberdade e legalidade que conduziram um líder caudilho ao palácio do Catete, transformando-o em Presidente da República e bloquearam um movimento golpista para tirar um presidente.

O aba-larga galopando pela pradaria atrás de abigeatários, o capacete do Pedro e Paulo e o bico de pato patrulhando as ruas, e a boina dos grupos especiais em operações de risco retratam mudanças, transições e estratégias que são atualizadas para aproximar a Brigada Militar do cidadão e levar segurança às comunidades das cidades e regiões gaúchas, sempre na vanguarda técnica.

Ao longo do tempo, a Brigada Militar se transformou, passando de guarda cívica para guerreira e de guerreira para polícia. Já esteve no exterior integrando forças da ONU, comandou a Força Nacional na sua criação, administra presídios e realiza patrulha ambiental, além de outras atribuições. É uma corporação que jamais renegou qualquer missão, por mais difícil que seja. Desempenha papel relevante onde outras organizações falharam.

Homens e mulheres, voluntários em grande número concorrem todos os anos para se alistar nas fileiras da PM gaúcha, a única policia militar no Brasil que manteve o nome Brigada Militar durante o regime de exceção. Oficiais e Praças aguerridos e dedicados ao povo gaúcho formam uma massa de servidores públicos disciplinados e adestrados que se dedicam a patrulhar as ruas, os campos, as cidades e vilas deste torrão gaúcho, ostentam a farda, o orgulho e a tradição de uma corporação invicta em todos os embates que participou.

Infelizmente, chegaram a cegueira e tempos de abandono. Hoje, o brigadiano é vítima do descaso, do imediatismo partidário, do treinamento precário e da falta de reconhecimento numa profissão considerada uma das mais estressantes do mundo. Uma vítima que, diante da desvalorização salarial, é obrigada a engolir seu orgulho para vender seu tempo de folga e convívio familiar para outro empregador, muitas vezes de idoneidade suspeita, e assim poder alimentar e dar as mínimas condições de sobrevivência e educação para suas famílias.

Ninguém atenta ou se importa com os prejuízos à saúde, com a desmotivação laboral, com o cansaço durante o serviço, com o sono que insiste em adormecer o corpo e com estresse que podem levar um agente policial depressivo à intolerância, à truculência, ao erro, à imperícia e até a sua morte, a morte de um colega ou a morte de um “terceiro”. Para as autoridades políticas, o brigadiano é aquele personagem “a la Garcia” que basta dar ordens e os mínimos recursos que ele já vai cumprindo as tarefas sem contestar ou exigir condições de trabalho. Um dedicado servidor que tira dinheiro do bolso para comprar farda e equipamentos melhores, organizar a gestão, melhorar a técnica empregada e treinar sua perícia. Ainda enxergam o brigadiano como aquele guerreiro das revoluções do século passado que só precisava de uma arma e de um ideal para defender a voz política de seus governantes.

Só que todo este arcabouço de glórias, dedicação exclusiva e heroísmo, reconhecidos e valorizados pelos governantes do passado, nada pesa para os interesses das gerações políticas deste século. Os portadores da tradição gloriosa de uma corporação centenária e de tradição nada significam... politicamente.

Aqui no RS, pagam o pior salário do Brasil para um policial militar. O foco é imediatista e a política de segurança pública visa apenas o recurso da mobilidade – a viatura. Esquecem que toda tecnologia precisa de pessoas capacitadas, motivadas, adestradas e em plenas condições físicas, emocionais e psicológicas para fazer funcionar com proveito e eficácia.

Esquecem do ser humano, do profissional, do agente policial, dando mais atenção à impessoalidade do atendimento de ocorrências e ações de contenção, em detrimento da necessidade preventiva, objetivo principal de uma polícia ostensiva. Assim, os mortais anjos da guarda, como num passe de mágica, sumiram do contato permanente com o cidadão, das ruas e dos campos onde preveniam os delitos. Sumiram o policial de quarteirão, os postos estratégicos e o postinho da comunidade.

A segurança pública, apesar de ser direito de maior necessidade do povo gaúcho e promessa política carimbada nas campanhas políticas, é apenas figuração numa realidade aonde o crime vem ousando pela crueldade, pela força, pelo poder político, pelo volume financeiro e pelo arsenal bélico que apresenta. O clamor popular diante da insegurança, terror e vidas inocentes não consegue ecoar nos palácios do Executivo, Judiciário e Legislativo. Nas ruas imperam o medo, a impotência, o desrespeito às leis, a desconfiança nas instituições e o descrédito na justiça.

É triste a sina de ser brigadiano e envergar a farda mística de uma corporação bicentenária de tantos serviços prestados à nação e ao povo gaúcho, com moral baixo e soldos aviltados num estado onde há desarmonia, privilégios, negligência e descaso nas questões de justiça e ordem pública, e onde se abandonam os agentes públicos do Executivo, não se aplicam as leis na plenitude, desrespeitam princípios e enfraquecem os instrumentos de coação, justiça e cidadania. Não é a toa que o crime e a violência estão tomando proporções jamais vistas diante de serviços incapacitados e dependentes da coragem e da dedicação samaritana de seus prestadores. E o pior, os tempos são outros. Agora a guerra é suja, sem honra ou glórias.

Tenho muito orgulho de ser filho de um brigadiano aba-larga que criou sete filhos numa época de crises, mas de bons ventos de apoio, respeito e veneração.

“O serviço de polícia é nobilitante, por que sobre ele repousa a honra e o bem estar da família”. (Boletim Geral 08/novembro de 1935 referente à Constituição de 29/06 que atribuía à BM o serviço de policiamento no RS) 

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